Descrição
“Eu não tenho o hábito de me dirigir aos outros quando falo, eis por que não há nada que possa me frear, aliás, o que posso dizer a vocês sem aterrorizá-los, que nasci em uma pequena cidade do campo já quase no Maine, que recebi uma educação religiosa, que minhas professoras eram todas religiosas, mulheres rudes e exaltadas diante do sacrifício que elas impunham às suas vidas, mulheres que eu deveria chamar de mãe e que tinham um nome falso que elas deveriam escolher, de irmã Jeanne para Julie, de irmã Anne para Andrée, irmãs-mães que me ensinaram a impotência dos pais ao nomear suas crianças, em defini-las adequadamente perante Deus, e o que mais vocês gostariam de saber, que eu era em suma normal, bastante talentosa para os estudos, que no campo onde cresci, repleto de católicos fervorosos, nós encaminhamos os esquizofrênicos aos padres para que sejam tratados à base de exorcismos, que no campo a vida é muito bela desde que nos contentemos com pouco, desde que tenhamos fé?” (PUTA – Nelly Arcan)
Solilóquio que relata o cotidiano de uma puta de luxo canadense, bem como sua experiência com a psicanálise. As obsessões da autora entram em ressonância com as grandes questões sociais: por que a tirania da beleza ainda aprisiona algumas mulheres, apesar de seus diplomas, de seu sucesso profissional ou de seus triunfos literários? Dessa forma, o mundo descrito em Puta – aquele de pais que se regozijam ao pagarem pelas filhas dos outros, de mães “larvas” que envelhecem antes da hora, de jovens mulheres devoradas pela necessidade de agradar – é extremo, e este mundo é também o nosso.
Nelly Arcan
Expoente do gênero “autoficção”, Nelly Arcan escreveu livros que foram considerados praticamente pornográficos e, ao mesmo tempo, se tornaram best-sellers. A escrita de Arcan foi reconhecida por seu estilo original e também pela forma como a autora abordou o mundo da prostituição. Seu texto mais conhecido é “Puta”. que foi indicado para os prêmios Médicis e Femina.
“E o que falar, hoje, de Puta? Em primeiro lugar, é preciso dizer que o livro não envelheceu, diferentemente dos corpos mortais que ele abundantemente aborda. Depois, as relações entre homens e mulheres, a tirania da beleza e as redes familiares conturbadas são de uma atualidade fulgurante. Por fim, sua escrita sinuosa, com voltas e repetições, fascina.
No fundo, Puta é uma obra literária de grande beleza, mas não necessariamente um romance: Arcan substitui a evolução, ou a resolução, ou a sequência de um enredo, por uma longa queixa, uma ampla denúncia, uma profunda viagem interior. Os gemidos são reveladores de um sofrimento morosamente gradativo, mas sem complacência com a dor. A ficção é profundamente marcada por traços ensaísticos – ensaio no duplo sentido, como texto reflexivo e como tentativa (de compreender, de dizer). Os livros de Arcan são escritos literários em sua plenitude, são gritos, crises, ao passo que os aforismos, o alto grau de abstração, a vontade de cruzar certas palavras e certos enigmas, tudo isso os aproxima da filosofia. Manter-se onde se sangra, se corta, se queima ou se supura, onde a ferida está aberta e a dor é aguda, voltar-se incessantemente a uma escuridão ou a uma certa clareza, suportar até a última gota, como quem bebe um remédio amargo: eis o feito de Nelly Arcan”.
Trecho do posfácio (Lilas Bass, Isabelle Boisclair, Lucile Dumont, Catherine Parent e Lori Saint-Martin)
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